terça-feira, 27 de janeiro de 2009

EARLY MORNINGS


Fazia frio na manhã de Outubro de 1926. Hans era seu nome, apesar de seu pai querer "Rudolph", vencido pela sugestão da mãe, que achou a idéia pesada e um tanto quanto prepoente demais, já que significava "lobo combatente".

No fundo, se vía mesmo como um animal invejável daqueles, ainda que solitário, cuja alcatéia, mal adivinhava, viria a se formar devido à um quase acidente, ainda assim, concentrado em pensamentos que não se concatenavam, mas tinham a estranha propriedade de jamais deixá-lo à deriva.

Caminhava ereto mas com uma dificuldade que o surpreendía, quase o fazia rir de si mesmo, enfrentando as bruscas rajadas geladas, identificado que estava com seu nome cosido
à mão,
laço por laço, quatro letras caligráficas, um elegante "H" maiúsculo, germanizando o "João" latino, estrategicamente exibido no canto superior esquerdo do grosso macacão de serviço feito de lona, "bem sobre o seu coração, Hans", a mãe lhe dizia, sorrindo, o frio cortante entrando pelo pescoço, onde o casaco pesado que fôra de seu avô prussiano, cheirando a guardado e a resquícios de tabaco, tentava protegê-lo durante os oito quilômetros que mais se pareciam vinte, até chegar ao pátio da Escola Técnica de Hamburgo, ainda em completa escuridão das sete horas da manhã, um silêncio estranho que logo sería quebrado pela algazarra dos mais de 200 alunos inscritos para as prévias de Tornearia Mecânica, Desenho Técnico e Projeto Industrial.

Hans era jovem e jovial, ao contrário da maioría de seus contemporâeos, meninos querendo maturar rapidamente, apresentava estatura mediana, mas a timidez esmagadora e uma miopía que se desenvolvería a galope em poucos anos, o tornava compensadamente concentrado, quase encolhido no que fazia, lia, olhava ou escutava, ainda que isso lhe custasse, por paradoxal que pudesse parecer, a adoção de um quase apelido ,"distraído", coisa que ele não era, nem mesmo por engano e, apesar dessa jovialidade próxima do contagiante, jamais conseguia se ver, que não fosse na imagem de um homem idoso arrastando-se com seus 65 anos, ainda forte, é bem verdade, mas isolado o bastante para não se preocupar em ser mais incomodado, por ninguém, seja quem fosse, pois cedo percebera, convivendo com os colegas de oficina, que a velhice era, aos olhos dos jovens, um território insondável onde habitavam fracassados lamentáveis, cuja única sina, sería a de esperar a morte, posto serem todos inúteis, não fosse o fato de apenas a sua presença, despertar suspiros audíveis em mulheres de todas as idades, as comprometidas através de longos e aparentemente sólidos matrimônios, ao menos na aparência, inclusives.

O casaco já esfriara naquela espécie de "chapelaría" improvisada em um longo cano de ferro polido pelas centenas de cabides com hastes de pinus e ganchos em rame, instalado já dentro do elegante prédio de tijolos logo após o átrio do estacionamento das bicicletas dos alunos, veículo que ele sonhava ganhar algum dia, de algum parente que pudesse se dar ao luxo de tal assombro, mas já contando com seus 16 anos, já sabia a muito que não sería nessa vida o espaço de tempo onde ele sabería o quão bom e que estado de felicidade tangível seria, se ele pudesse saber o que era ganhar um presente de alguém, qualquer que fosse este, especialmente, de alguém que admiramos muito.

O sinal tocou precisamente às O7h:1Om, horário que, em conjunto com a elegancia exuberante do conjunto de arquiteturas que identificava a Escola Técnica, o inspirava encaminhando seu pensamento em um rudimentar fruir estético, questiando-se do por que prédios tão garciosamente belos, do por que as bicicletas com aquele formato tão peculiar, do por que o sinal tocar precisamente às
O7h:1Om, excessão feita aos Domingos e Feriados, ansiosamente esperados para que o grosso macacão de serviço pudesse desaparecer de sobre suas roupas.